“Os templos evangélicos hoje estão abarrotados de pessoas, em todas as denominações, que não sabem definir, minimamente, o que é ser cristão”

Publicado em: 28 abril 2016 ás 10:14:53

Afirmou o pastor Enoque Vieira durante entrevista ao departamento de Jornalismo da CADESC

Por Monique Suriano

Momentos depois de ministrar a palestra que encerrou a II Escola Bíblica de Obreiros e Membros (EBOM), realizada na Catedral das Assembleias de Deus em Santa Cruz, o pastor Enoque Vieira concedeu uma entrevista ao departamento de Jornalismo da CADESC. Enoque Vieira da Silva é formado em Teologia pelo Instituto Bíblico de Pindamonhangaba-SP, onde atuou como professor durante dez anos. Foi ordenado ao ministério pastoral aos 24 anos na Igreja Assembleia de Deus Ministério Madureira e hoje atua como 2º vice-presidente da Igreja Assembleia de Deus de Campinas-GO, presidida pelo pastor Oídes José do Carmo.

Com boa desenvoltura e vasto conhecimento bíblico, ele conquistou os ouvintes da palestra com sua mensagem forte, de confronto, e auto reflexão. “A gente precisa honestamente admitir, que se não houve um desvio que levou seguimentos que revindicam ser igreja para longe da perspectiva bíblico-cristã, no mínimo ela está esvaziada hoje enquanto conceito e enquanto verdade”, disse durante o discurso. “Não é a liderança que faz a igreja, é por existir a igreja, e por sermos igreja, que nela Deus nos fez líderes e obreiros para o serviço do Senhor. A igreja é agência de Deus na terra. Só a igreja tem a mensagem que o mundo precisa ouvir, Deus não tem outra agência na terra para cumprir esse papel, se não a igreja que Ele comprou com o seu próprio sangue”, enfatizou o pastor Enoque Vieira.

Na entrevista após a palestra, ele falou sobre carreira ministerial, o advento do infantilismo, a fama de mau pagador do “cristão”, o motivo pelo qual a maioria dos crentes não lê a Bíblia, entre outros temas. Confira.

 

CADESC: Como a sua carreira ministerial iniciou?

Enoque Vieira: Aos 21 anos eu já tinha a consciência do chamado de Deus para minha vida. Aos 17 eu já coordenava o trabalho de juventude e a Escola Bíblica Dominical da minha igreja. Mas foi efetivamente em 1983, durante o congresso da União de Mocidade das Assembleias de Deus de Imporá, na minha cidade no interior de Goiás, que fui chamado para o ministério. Foi o saudoso pastor José Braga da Silva quem pregou naquela manhã de outubro. O tema da mensagem foi “A Caminho do Altar”, baseada em Gênesis 22. E foi através dessa palavra, que eu fui chamado pelo Senhor para o ministério. No mesmo ano, o saudoso pastor Teodoro Mendes Pereira ganhou uma bolsa de estudos para o seminário de Pindamonhangaba-SP, e me deu de presente. Nessa época eu era empregado de uma humilde firma da família, era pobre, e agarrei àquela oportunidade. Mais tarde eu voltei para Goiás, casei-me, e depois retornei para São Paulo a fim de concluir o seminário, e fazer outros cursos livres. Depois de 13 anos eu retornei, dessa vez para Goiânia, e desde então estou auxiliando o pastor Oídes.

CADESC: Como o membro de uma igreja pode identificar o seu dom para trabalhar na obra de Deus?

Enoque Vieira: O Novo Testamento fala sobre duas naturezas de dons; dom carismata e dom dõron. O dom carismata é àquele dado por Deus e o dom dõron é aquele ligado a vocação, ao dote natural da pessoa. O dom dõron é evidentemente potencializado na nossa vida por Deus, mas ele está muito ligado às habilidades que nós já possuímos. É quando alguém nasce com o dom de louvar, por exemplo, e o Espírito Santo unge-o para o serviço na obra de Deus. Moisés foi o maior legislador de toda a Bíblia, ele escreveu cinco dos 39 livros do Antigo Testamento. A influência dele é presente em todo o Antigo Testamento e atravessa até para o Novo. Ele efetivamente foi chamado por Deus naquele incidente da sarça, mas ele já tinha demonstrado certa vocação, no sentido de trabalhar libertando o povo. Deus o chamou para um serviço que tinha direta relação com a vocação de vida dele, que era interessar-se pelo problema do seu povo, e interferir, no sentido de que ele matou um egípcio que estava espancando um judeu, depois tentou minimizar, ou, pelo menos, administrar uma briga entre dois judeus e acabou sendo descoberto. Deus é um Deus sábio e coerente. Ele não vai chamar alguém para determinado serviço, para o qual não tenha nenhuma habilidade. Deus capacita, mas deixa o preparo para nós. O púlpito de hoje está congestionado, todos querem o microfone, mas nós precisamos formar profissionais das diversas áreas para que exerçam a profissão com princípios e valores cristãos. Os professores de sociologia das universidades federais são ateus, agnósticos… Por quê? Porque nós achamos que ministério é só o que se faz no púlpito, atrás do microfone, e não é isso.

CADESC: Por que os crentes tem tanta dificuldade em inserir a leitura da Bíblia na sua rotina diária?

Enoque Vieira: Culturalmente o brasileiro não é uma pessoa dada à leitura. A leitura é um hábito que a gente vai adquirindo com o tempo, quanto mais se lê, mas prazer se tem na leitura. Agora, a nossa natureza pecaminosa vai sempre evitar que nos aproximemos de Deus, conscientemente, ou não. A primeira atitude de Adão depois da queda foi fugir de Deus. Essa atitude existe em nossa natureza, daí a razão por que, naturalmente, como ser humano, eu não gosto da Bíblia. A Bíblia me perscruta, me investiga, ela invade os porões da minha vida que eu gostaria que estivesse assentadinho. Então se eu não me policiar, eu não consigo ler a Bíblia ou estudá-la. Por ser um livro normativo de Deus para nossas vidas, as Escrituras Sagradas precisam ser parte integrante do nosso viver enquanto crentes, especialmente os que militam no ministério.  É na Sua palavra revelada, que Deus revela o seu ser, para levar-nos a conhecê-lo melhor. Ao quatorze anos eu já tinha lido a Bíblia toda, quatro vezes, e em função do ofício, esse ano eu estou completando 87 vezes. Pelo menos uma vez a cada ano eu a leio toda a Bíblia, mas isso exige de mim um policiamento.

Defina melhor o que seria o infantilismo do qual o senhor falou na pregação?

O pentecostalismo sempre focou as Escrituras, mas a partir da década de 70, houve um desvio, com o surgimento do neopentecostalismo, que foca a experiência e não o saber doutrinário. Essa mudança gerou o infantilismo. Os templos evangélicos hoje estão abarrotados de pessoas, em todas as denominações, que não sabem definir, minimamente, o que é ser cristão. A gente vê o cristianismo da experiência. Como é que você chama a atenção das crianças no jardim de infância? Não é com joguinho e brincadeira? O cristianismo hoje é mais entretenimento que o saber. Infelizmente uma grande parte do nosso seguimento está nesse cristianismo raso. Embora sejamos um contingente sociológico populacional considerável de crentes nesse país, o IBGE chega a dizer cerca de 52 milhões de evangélicos, a nossa influência de fé de um cristão adulto e maduro espiritualmente não tem sido sentida lá fora.

Por que o crente é tão taxado de mau pagador? Algumas empresas chegam a não vender produtos para o público evangélico.

Aí tem o lado positivo e o negativo. Porque àquilo que a sociedade “comumente tolera” por parte das demais pessoas, ela não tolera por parte de um cristão. A sociedade espera que como um cristão, eu tenha um comportamento condizente com o meu cristianismo, esse é o lado positivo. O lado negativo é que isso denuncia também a falta de compromisso e de crescimento espiritual do crente. O testemunho social e público do cristão está diretamente ligado ao grau de maturidade cristã que ele tem. Perfeito ninguém é, Deus não exige de nós perfeição.  Alguém chegou a dizer: “Deus não tem problema com os nossos pecados e com as nossas fraquezas, Deus só não tolera o nosso cinismo”. Em 1 Jo 5.18, diz “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não peca”. Traduzindo melhor o tempo verbal do texto original, o texto vai dizer que àquele que é nascido de Deus não vive prazerosamente no pecado. Na Bíblia nós somos comparados ao sal, que tem a tríplice propriedade de preservar, dar sabor e criar sede. Na metáfora do sal em Mateus cinco, Jesus deixa subtendido que é possível ter aparência de sal e não salinizar.