Casal larga tudo para viajar à África e à Ásia conhecendo projetos sociais

Publicado em: 12 fevereiro 2015 ás 10:33:08

Da vida confortável em apartamentos de São Paulo aos quartinhos de terra batida em aldeias africanas, sem água encanada e luz elétrica. Do trabalho em grandes empresas ao aprendizado com ONGs e líderes comunitários. Da convivência com família e amigos ao dia a dia entre desconhecidos que não falam português nem inglês.

A rotina dos brasileiros Felipe Brescancini Melo, de 31 anos, e Gabriele Garcia, de 28, mudou radicalmente desde que eles decidiram largar tudo para se jogar no mundo.

Advogada, Gabriele trabalhava em um grande escritório de sua área e Felipe, que é formado em administração, era gerente de marketing de uma multinacional. Estavam em seus empregos havia dez anos quando se deram conta de que “faltava alguma coisa”. “Eu trabalhava com a elite, com as maiores empresas do Brasil e do mundo. Lidava com muito dinheiro, mas com pouco valor humano. O Felipe também não via mais sentido no que fazia”, diz ela.

Decididos a mudar de área de atuação, os dois se conheceram em um curso de negócios sociais, começaram a namorar e, em agosto do ano passado, lançaram-se em uma viagem de pouco mais de um ano pela África e pela Ásia. A ideia é conhecer iniciativas e pessoas transformadoras pelo caminho e, no retorno, criar algo no Brasil voltado para essa área.

(VEJA VÍDEO COM MOMENTOS DA VIAGEM ACIMA)

Enquanto isso, eles postam relatos e vídeos das experiências em seu site e no Facebook. O projeto foi batizado de Think Twice (pense duas vezes). “A gente queria aprender na prática, sair do nosso mundo onde nunca faltou nada e ganhar conhecimento de causa. Vimos que não adiantava ficar na cadeira confortável do escritório. É como um ‘mestrado da vida’”, diz Gabriele

Felipe ressalta a busca por uma vida mais simples. “Queria me desvencilhar, ver o mundo com outros olhos, viver com menos dinheiro. Aprender de uma forma que nunca aprenderia na minha zona de segurança em São Paulo”, afirma.

A primeira parada foi em Johanesburgo. Além da África do Sul, eles já conheceram Botsuana, Namíbia, Angola, Suazilândia, Moçambique, Zimbábue, Zâmbia, Tanzânia, Burundi, Ruanda, Uganda, Quênia, Etiópia, Omã e Irã.

O roteiro não está fechado, mas a meta é visitar de 30 a 40 países até setembro deste ano, quando pretendem voltar para o Brasil.

A viagem é principalmente por terra, e eles só pegam avião quando é necessário evitar zonas de conflito. A maioria das localidades que eles visitam fica no “interiorzão” do continente.

“Em alguns casos somos os primeiros brancos a aparecer em muito tempo. As crianças se assustam, choram, entram em pânico”, diz Felipe. “Onde a gente passa eles gritam: “Mzungu! Mzungu! [palavra usada em muitos países africanos para designar ‘homem branco’]. Esse tempo todo só encontramos um brasileiro, e foi bem rápido”, completa.

No roteiro, nada de pontos turísticos. “Vamos a uma ou outra atração quando dá para encaixar, mas definitivamente não é uma prioridade. É uma viagem de imersão, para conhecer uma realidade que quase ninguém está disposto a enxergar. Não é uma volta ao mundo para conhecer praias”, diz Gabriele.

O dia a dia é nas organizações. Com algumas delas o casal fez contato prévio antes de viajar, mas no meio do caminho surgiram várias outras. “Muitas das experiências mais incríveis foram em projetos que não têm nem site. Às vezes é uma pessoa que faz a diferença naquela comunidade. Não precisa ser a ONU, dá para fazer muita diferença com pouco dinheiro”, diz Gabriele.

Os dois costumam entrevistar os responsáveis ou fundadores para entender como funciona cada organização. Às vezes ajudam com pequenos trabalhos, mas o foco não é no voluntariado. “O que a gente quer é inspirar pessoas e aprender. Queremos transformar nosso país na volta com as melhores ideias que a gente conseguir tirar”, diz Gabriele.

Alguns projetos permitem que eles se hospedem no local. O esquema, contam, é simples: o banheiro é um buraco no chão, o banho é de caneca e com água fria, a comida é na fogueira. “No Quênia, ficamos em um centro para órfãos e viúvas, vivendo com aquele pessoal todo sem luz, sem água, em um quartinho de terra batida com aranhas, escorpiões. Não é brincadeira”, diz Gabriele.

Na bagagem, eles levaram fitinhas do Senhor do Bonfim para presentear as pessoas que conhecem. Ao oferecê-las, explicam a superstição de que é possível fazer três desejos ao amarrar a fita e eles se realizarão quando ela se soltar.

“É um gesto pequeno, mas toda vez que amarramos nos braços das pessoas, parece um respiro de esperança”, diz Gabriele. ”É um pouco mágico acreditar que fazer pedidos e amarrar uma fitinha traz a esperança de que se realizem algum dia.”

A viagem é bancada pelas economias do casal e, segundo eles, custa menos que um mestrado ou MBA fora do país – e um terço do custo de vida que tinham em São Paulo. Eles optaram por não buscar patrocínio porque consideram que é um projeto pessoal e preferem futuramente ir atrás de contribuições para beneficiar ONGs já existentes.

Gabriele conta que as pessoas mais pobres têm sido as mais generosas. “Nos hospedamos em zonas rurais, em que as famílias vivem abaixo do índice de pobreza, e eles faziam questão de compartilhar o que tinham com a gente e com a própria comunidade”, diz.

Segundo Felipe, eles passaram por altos e baixos, momentos de cansaço e situações em que encontraram clima hostil, mas não vivenciaram nada mais grave. “A gente confia na justiça do universo e na força que vem quando se está fazendo o bem”, diz.

Fonte: G1